Sobre o filme "Bela Vingança": brincando com a realidade para desafiá-la.

 

Que filme desafiador.

Não desafiador de se assistir. Na verdade, é bem intrigante e prende na maior parte do tempo. Desafiador no sentido de colocar em xeque expectativas e formas de pensar.

A diretora e roteirista Emerald Fennell entrega ao público uma experiência que só o olhar de uma mulher poderia prover (fiquei curioso inclusive para assistir Careful where you go). 

A cinematografia é impecável, os figurinos excelentes, a quantidade de estrelas surpresa (pelo menos pra mim uma grande parte foi surpresa) que aparece é magnífica, mas quero destacar a narrativa.

A primeira coisa que o filme desafia são as expectativas de gênero. Ele passeia por diversos gêneros e subgêneros e as transições são suaves e orgânicas e exatamente por isso, desafiadoras. Se fossem bruscas e mal feitas, elas apenas pareceriam ruins como as de um Hancock da vida. Mas elas fazem total sentido na direção que a narrativa toma.

A maioria dos filmes que envolvem a vingança de um estupro são filmes extremamente violentos e sangrentos de tal forma que fica até difícil transferir a discussão para a realidade.
Vi comentários de algumas pessoas que não curtiram o filme e a maioria delas sequer consegue perceber as nuances envolvidas. O filme claramente é realista no que se propõe a discutir.

Mas não é uma narrativa hiper-realista. Assim como filmes de justiceiros em geral, o filme faz um exercício de entender como seria se alguém realmente desafiasse o que nós não costumamos desafiar culturalmente.

A galera parece querer que todo filme que aborde esse assunto mostre alguma cena chocante de abuso e eu achei de uma genialidade extrema não vermos isso. A gente não precisa — e quem passou pela situação, definitivamente não precisa. Fazer o que Gaspar Noé faz em Irreversível, por exemplo, é algo completamente desnecessário. O choque pelo choque não adianta nada se não desafia as concepções sutis e culturais que levam à coisa principal a acontecer.
E Fennell trabalha o tempo inteiro com o conhecimento que o público tem da realidade, mesmo quando foge dela. É uma forma esperta, inclusive, de criar suspense justamente por nos deixar tensos o tempo inteiro, esperando que o pior aconteça. Ora essas expectativas são atendidas, ora são desafiadas.

O filme não é perfeito, tem alguns problemas mínimos de ritmo. Mas acho curioso que quem não gostou e explicou o motivo, aponta defeitos que não são defeitos reais do filme. São decisões muito bem pensadas de direção e roteiro que, mais uma vez (perdão pela redundância), desafiam expectativas e concepções.

As expectativas que são atendidas (ou previsíveis, como queira) estão justamente nos elementos mais realistas. As que são surpreendentes são as que desafiam o que aconteceria na vida real.
Na vida real, muito da satisfação à justiça que o filme fornece, seria difícil de acontecer.
Infelizmente.

Carey Mulligan, em sua interpretação extremamente sutil, e Emerald Fennell, em sua escrita esperta, fazem questão de que a gente veja exatamente onde elas mostram o que acontece e o que deveria acontecer na realidade.



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