Sobre a inteligente insanidade de "Lovecraft Country"

Essa postagem será decorada com a beleza de
Jurnee Smollett e Wunmi Mosako pq sim.


Para quem prestou a devida atenção, a primeira sequência de Lovecraft Country já deu um indício do que seria a série. Não apenas o sonho absurdo e cheio de referências do Tic, mas sua fala para sua única companheira preta de viagem: "Eu amo histórias pulp, adoro como os heróis têm aventuras em outros mundos, lutam, rodeados de outros, derrotam os monstros, salvam o dia. Garotinhos pretos do Sul de Chicago não fazem muito disso."

mas deixa o Jonathan Majors aparecer tb.

Isso já deveria ter avisado aos desavisados que essa não seria uma série de puro terror lovecraftiano. Apesar das referências diretas à obra (e ao racismo) do famoso autor de terror cósmico HP Lovecraft, a série não se propõe a ser apenas isso. Sim, temos shoggoth, ocultismo, o Livro dos Nomes, o território Lovecraft — região de Massachusets onde se passavam a maioria das histórias do autor — e todas essas coisas lovecraftianas.

Acontece que, além dos subgêneros de terror - cósmico, sobrenatural, body horror etc. - a série contém altas doses de fantasia, ficção científica e aventura. E toneladas de referências à "cultura pulp" de então.

Lovecraft Country é, antes de qualquer coisa, uma carta de amor a todos os pretos nerds que amavam ler todas essas histórias, mas nunca se viam nelas (exceto quando eram o alívio cômico ou morriam logo no início).

É também uma aula de história sobre racismo nos Estados Unidos. É comum vermos as histórias norte-americanas focando nos estados segregados, mas a série toca numa ferida ainda pouco falada por lá: a segregação também existia onde não havia leis Jim Crow. Desde as cidades do Poente no primeiro episódio ao massacre de Tulsa referenciado no excelente episódio 9, a série mostra a que veio: é  divertida e reflexiva ao mesmo tempo (eu ri, me assustei, fiquei tenso e chorei bastante). E as reflexões são excelentes. Não apenas raciais, mas de gênero e de sexualidade. As referências históricas e também de cultura pop são inúmeras. Tantas que é melhor pesquisar sobre enquanto assiste.

O simbolismo das temáticas também é variado: desde representações diferentes do comportamento da branquitude em relação à negritude — as manifestações óbvias e também as sutis do racismo — até o empoderamento do povo preto — comentários sobre apropriação cultural e o valor dado à ancestralidade na cultura africana e afro-americana são alguns exemplos.


Em termos técnicos, alguns episódios se destacam. O primeiro continua sendo um dos melhores pilotos que eu já vi na vida. Apesar da pequena decepção que é o segundo (pequena sim, pois o episódio possui vários bons momentos), a série nunca volta a ter o mesmo clima, mas mantém o nível. Dito isso, considero que, infelizmente, o último episódio apressou demais as coisas. Poderíamos ter tido um episódio mais longo pra explicar melhor todo o processo e tornar os acontecimentos e mensagens do episódio menos "na cara". As respostas estão todas ali, mas dadas de modo apressado demais. Não tenho problema com os fatos, apenas como eles foram contados. Embora a série NUNCA se torne ruim, ela lutou um pouco pra manter o mesmo nível no decorrer da temporada. O final foi satisfatório — podendo ser muito bem uma conclusão da história — apesar de tudo.

Aviso de violência e cenas fortíssimas, afinal, estamos falando de HBO.

Eu não vou nem comentar o elenco MARAVILHOSO dessa série. Espero que essas pessoas consigam mais emprego depois dessa série. [Edit: Luz do futuro aqui pra avisar que Wunmi Mosaku e Jonathan Majors ambos fazem parte do MCU].


Então não, não considero a série perfeita. Mas ela me marcou profundamente e, dentro dos subgêneros de terror e fantasia, teve um efeito em mim muito parecido com o de Pantera Negra teve no subgênero do super herói. E se existe algo que tenho certeza, é que Lovecraft Country está muito, mas muito longe de ser ruim. É uma obra prima da atualidade, além de necessária. E, mesmo com seus defeitos, como o próprio Atticus Freeman diria:

"Histórias são como pessoas. Amá-las não significa pensar que são perfeitas. Só podemos estimá-las, ignorar as falhas."



PS.: quando eu terminar de ler o livro, volto aqui com a resenha.

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